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ALEJANDRO ZAMBRA – FORMAS DE VOLTAR PARA CASA

R.Colini

ALEJANDRO ZAMBRA – FORMAS DE VOLTAR PARA CASA

Zambra dá conta dessas desorientações de uma maneira suave, poderosa e bela.

Combinar as memórias infantis com a histórica, é algo difícil. Os autores correm um risco enorme de produzir uma narrativa proselitista ou didádica. Eu odeio isso, fujo disso, embora possa ser vítima desses defeitos em meus textos, porque em 3 de meus quatro romances eu escrevo sobre um tempo histórico determinado, onde procuro entender e compartilhar minhas perplexidades.

A imagem evocada de quando era criança no banco traseiro do carro dos pais e os momentos de silêncio curioso das conversas interditadas aos filhos, é o início de uma jornada em que o adulto procura entender seus pais e o mundo em que cresceu. Ele se dá conta de que os pais eram, também, tão frágeis e desamparados como as crianças.

Zambra dá conta dessas desorientações de uma maneira suave, poderosa e bela. Uma menina tem um pai que não pode ser seu pai. Passa a infância tratando-o por outro nome. A mentira é uma estratégia de sobrevivência de centenas de crianças nessa situação. Quando tudo passa e as identidades são resgatadas, o pai que era de mentira parecia mais verdadeiro que o pai que era de verdade.

Para quem viveu pesadelos piores do que o brasileiro, lembrar sempre é uma obrigação; para muitos é só o que resta, e isso é fundamental. Ainda que a história assombre o autor com suas impossibilidades cotidianas. Ainda que não consiga dar conta das explicações dessa tal de história, como no caso da eleição de alguém que não deveria ser eleito.

Por duas vezes o autor cita Romain Gary: “em vez de gritar, escrevo livros”. Zambra, por seu turno, grita cantando.

 

“Observo os carros, conto os carros. Me parece triste pensar que nos assentos traseiros vão meninos dormindo, e que cada um desses meninos recordará, alguma vez, o antigo carro em que anos atrás viajava com seus pais.
...
O que nos une é o desejo de recuperar as cenas dos personagens secundários. Cenas razoavelmente descartadas, desnecessárias, que no entanto colecionamos sem cessar.
É estranho, é tolo pretender um relato genuíno sobre algo, sobre alguém, sobre qualquer um, até mesmo sobre si próprio. Mas é necessário também.
São quatro da madrugada, não consigo dormir. Aguento a insônia contando automóveis e formando novas frases
...
Meu pai também exaltava a piada. Estavam ali para que não tivéssemos medo. Mas não tínhamos medo. Eram eles que tinham medo.
Disso quero falar. Desse tipo de lembrança.
...
A casa é agora de uma estranha cor damasco e em vez de persianas há umas horríveis cortinas floridas. Mas nunca foi uma casa bonita; nem sequer foi uma verdadeira casa, diz Claudia, com uma tristeza serena.
...
É melhor não sair em nenhum livro
As frases que não nos queiram abrigar
...
E a dor era um livro interminável
Que um dia folheamos só para ver
Se no final apareciam nossos nomes.”